Presidente promulga, com reservas, diploma sobre casamento homossexual
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, anunciou esta segunda-feira que, apesar das reservas que o diploma lhe suscita, decidiu promulgar a lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Na sua declaração ao País sobre o assunto, o Presidente da República considerou que vetar o diploma seria “arrastar inutilmente” o debate sobre este tema, desviando os políticos da resolução dos problemas graves dos portugueses.
“Há momentos na vida de um país em que a ética da responsabilidade tem de ser colocada acima das convicções pessoais de cada um. Assim, decidi promulgar hoje a lei que permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo”, acrescentou Cavaco Silva, numa declaração ao país feita a partir do Palácio de Belém.
Cavaco Silva lembrou que pediu ao Tribunal Constitucional que fiscalizasse preventivamente a constitucionalidade deste diploma, “tendo este sido considerado não inconstitucional”.
Em seguida, assinalou que isso não o impediria o Presidente da República de “utilizar o poder de veto que a Constituição lhe confere e devolver o diploma ao Parlamento”.
Contudo, nesse caso, “tudo indica que as forças políticas que o aprovaram voltariam aprová-lo” e “o Presidente da República seria obrigado a promulgá-lo no prazo de oito dias”, acrescentou.
Ponderados “os efeitos práticos” do veto e tendo “em devida conta o superior interesse nacional, face à dramática situação em que o país se encontra”, Cavaco Silva disse ter entendido que não deveria “contribuir para arrastar inutilmente este debate”.
Isso “acentuaria as divisões entre os portugueses e desviaria a atenção dos agentes políticos da resolução dos problemas que afetam gravemente a vida das pessoas”, considerou.
O chefe de Estado recordou, a este propósito, que na sua mensagem de ano novo alertou para “o momento muito difícil” do país, para a possibilidade de este “caminhar para uma situação explosiva” e considerou que não era “tempo de inventarmos desculpas para adiar a resolução dos problemas concretos dos portugueses”.
Solução mais consensual
O Presidente da República lamentou, noutra passagem da sua alocução, que o Parlamento português não tenha aprovado uma solução jurídica mais consensual para as uniões entre homossexuais e com um nome diferente do casamento.
“Bastava ter olhado para as soluções jurídicas encontradas em países como a França, a Alemanha, a Dinamarca ou o Reino Unido, que, como é óbvio, não são discriminatórias e respeitam a instituição do casamento enquanto união entre homem e mulher”, considerou Cavaco Silva.
“Nesses países, à união de pessoas do mesmo sexo foram reconhecidos direitos e deveres semelhantes aos do casamento entre pessoas de sexo diferente, mas não se lhe chamou casamento, com todas as consequências que daí decorrem”, acrescentou.
Em Portugal, a proposta de criação de um instituto próprio para as uniões entre pessoas do mesmo sexo foi defendida pelo PSD, mas não obteve o apoio de nenhum outro partido.
“É de lamentar que não tenha havido vontade política para alcançar um consenso partidário alargado sobre uma matéria de tão grande melindre, de modo a evitar clivagens desnecessárias na sociedade portuguesa”, declarou Cavaco Silva.
Segundo o Presidente da República, “as forças partidárias que aprovaram o diploma” que estende aos homossexuais o acesso ao casamento civil “não quiseram ponderar um princípio elementar da ação política numa sociedade plural: o de escolherem, de entre as várias soluções jurídicas, aquela que fosse suscetível de criar menos conflitualidade social ou aquela que pudesse ser aceite pelo maior número de cidadãos, fosse qual fosse a sua visão do mundo”.
“Não teria sido difícil alcançar um compromisso na Assembleia da República se tivesse sido feito um esforço sério nesse sentido”, considerou.
Cavaco Silva referiu que, “no mundo inteiro, só em sete países é designada por casamento a união entre pessoas do mesmo sexo” e que, “dos 27 países da União Europeia, são apenas quatro aqueles que o fazem”, o que apontou como prova de que a exclusão dos homossexuais do acesso ao casamento civil não é “um fenómeno residual no mundo contemporâneo, um resquício arcaico típico de sociedades culturalmente mais atrasadas”.
“Não me parece que alguém, honestamente, possa qualificar o Reino Unido, a Alemanha, a França, a Suíça ou a Dinamarca como países retrógrados”, apontou.
O diploma hoje promulgado teve origem numa proposta do Governo e foi aprovado pelo Parlamento em votação final global no dia 11 de fevereiro com os votos favoráveis do PS, BE, PCP e PEV e contra do CDS-PP.
No PSD houve liberdade de voto e seis deputados abstiveram-se, enquanto os restantes votaram contra a alteração da noção de casamento estabelecida no Código Civil. Votaram também contra o diploma duas deputadas independentes eleitas pelo PS.
Antes definido como um contrato entre “duas pessoas de sexo diferente”, o casamento civil passa agora a ser “o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida”.