“Neste momento, quem gosta de ensinar não quer ser professor”
Ministério da Educação tem em curso processo de rescisões. Fala quem está no activo e admite sair.
Anabela dedicou metade dos seus 49 anos a ensinar as primeiras letras e números a gerações de alunos. Não revela o apelido, porque quer salvaguardar alguma privacidade, mas manifesta o que sente: desilusão. Agora que o Ministério da Educação decidiu avançar para rescisões com professores, Anabela já sabe o que vai responder: “sim”. A custo.
Já não sente o fervor de outrora. Ensina em “condições terríveis”, está preocupada com os sinais de “degradação” de um sistema que começa a deixar alunos para trás. Perdeu a ilusão: “Neste momento, quem gosta de ensinar não quer ser professor”.
O orçamento do Ministério da Educação tem sido dos mais atingidos pelos cortes de despesa dos últimos anos. Anabela considera que há “questões economicistas” a determinar a diminuição de verbas. Mas vê mais: fala num “projecto óbvio de separar o trigo do joio”. E teme: pelas escolas, que “correm o risco” de deixar de ser “inclusivas”.
“Desde o primeiro ciclo que começamos a separar os alunos que conseguem passar no exame e têm boas notas e os que não conseguem. Toda a escolaridade está ameaçada daí para a frente e eu penso que há um objectivo claro para separar aqueles em que vale a pena investir daqueles em que não vale. Além de uma ideia economicista, há um projecto político que facilmente se associa à pressão economicista – é político e antipedagógico”, sustenta Anabela, que já deu aulas em África e lecciona actualmente em Lisboa.
Depois de mais de duas décadas a ensinar, vai parar. Vai rescindir. Se o fizer, e diz que quer mesmo, já sabe que não pode usufruir de subsídio de desemprego, nem pedir a reforma antecipada – são as regras em cima da mesa. São condições ajustadas? Anabela responde que podiam ser melhores, mas não critica tudo. “Acho que um ordenado e meio [por ano de trabalho] não me parece que seja injusto. Acho injusto que nem todos os professores e sectores o possam fazer.”
A escola pelo campo
Paulo Campos, 45 anos, lecciona educação musical em Sintra. Está a ponderar trocar a escola por uma vida diferente no campo – pode ser que sim, pode acontecer que não.
“Há informações um pouco discordantes entre o que o sindicato diz e a página disponibilizada pelo Ministério para fazer as simulações. Portanto, formarei uma decisão mais definitiva quando tiver reunido mais informação e chegado a um valor para poder ponderar a possibilidade de rescindir.”
Paulo Campos ensina há 16 anos. Ou ensinava: por estes dias, não tem a quem dar aulas. É professor com horário zero – não tem turma atribuída. “Não estou a trabalhar com os alunos e isso é uma coisa que a mim também me desagrada imenso.”
Admite rescindir. Não exclui continuar. Mas há uma certeza: não está arrependido de ter leccionado. Apesar da “dificuldade imensa e cada vez maior de trabalhar nas condições que são oferecidas” – por exemplo, o aumento do número de alunos por turma e a falta de funcionários nas escolas -, era o que queria.
Paulo Campos deseja que o país “tome um rumo diferente”, com vista a uma “sociedade mais esclarecida, mais tolerante, solidária”, mas “as medidas que estão a ser tomadas não levam a isso”. “Acho que teremos que tentar olhar as coisas de outra forma. Caso contrário, eu não sei qual vai ser o futuro do nosso país.”
As propostas de rescisões amigáveis que o Ministério da Educação está a propor destinam-se a professores com menos de 60 anos que não tenham pedido a aposentação. Quem pretender avançar, tem até 28 de Fevereiro para providenciar uma resposta.
Quem tem menos de 50 anos recebe 1,25 meses por ano; entre os 50 e os 59, sobe para um salário por ano de serviço. Quem rescindir, fica sem subsídio de desemprego e não pode pedir reforma antecipada. Anabela já decidiu, Paulo Campos está a praticar uma disciplina que não a dele: matemática, porque há contas para apurar.




