PS e BE negoceiam viabilização de Governo apoiado pela esquerda
Os socialistas querem um acordo escrito que viabilize “a governação” e não apenas o programa. O BE vai levar dezenas de iniciativas legislativas calendarizadas. Política europeia deve ficar de fora de um acordo que, agora, todos parecem acreditar ser possível.
Quando António Costa chegar na manhã desta segunda-feira ao palacete das Palmeiras, na Rua da Palma, em Lisboa, onde o Bloco de Esquerda tem a sua sede, será recebido pela mais jovem delegação negocial de todas, Catarina Martins, Mariana Mortágua, Marisa Matias, Pedro Filipe Soares e José Guilherme Gusmão são todos sub-42, novos de mais para animarem qualquer debate de memórias sobre a “Fonte Luminosa”, o “Verão Quente” ou as mazelas do PREC. Só os mais velhos da delegação socialista – o próprio Costa e Carlos César – têm lembrança dos tempos em que o seu partido e as organizações à sua esquerda discordavam de muito mais do que o Tratado Orçamental. Talvez por isso, dos dois lados da mesa, haja amigos, que se tratam por tu e escrevem no mesmo blogue.
Pedro Nuno Santos, um dos cinco negociadores do PS, e José Guilherme Gusmão são dois (dos menos assíduos) autores da página “Ladrões de Bicicletas” (uma homenagem ao filme de Vittorio de Sicca), que reúne um grupo de economistas críticos de vários sectores da esquerda. Mariana Mortágua, a mais nova dos dez, também faz parte deste restrito grupo de formados no ISEG que rejeita as teses da ortodoxia “neo-clássica” da Economia. E já partilhou muitas horas de convergência com Pedro Nuno Santos, no Parlamento, enquanto ambos tentavam perceber o colapso do Grupo Espírito Santo. Num jantar, que marcou o fim da épica comissão de inquérito, Fernando Negrão, o presidente, fazia um elogio aos trabalhos, sublinhando que foi o grupo que se destacou e não qualquer das suas individualidades. O deputado do PS pediu para o interromper e corrigiu: “A Mariana destacou-se.”
Se isto chega para quebrar o gelo? Talvez não. António Costa, Carlos César, Mário Centeno e Ana Catarina Mendes, que com Pedro Nuno Santos compõem a delegação socialista, têm um objectivo claro para a reunião: assegurar um compromisso do BE para a “estabilidade governativa”. Ou seja, mais do que viabilizar um Governo minoritário do PS, querem que o Bloco se comprometa também a “viabilizar a governação”, com as suas medidas concretas. Jorge Costa, dirigente bloquista, adianta ao PÚBLICO que “o BE vai para esta reunião com toda a abertura para encontrar e participar nas soluções que são necessárias para o país.”
Entretanto, a hipótese de um Governo viabilizado à esquerda já deu um tímido passo. BE e PCP já não admitem, apenas, deixar passar o programa do PS no Parlamento. Esse era o ponto, na semana passada, mas o PS tornou claro que isso não bastava. É por isso que estas conversas ganham relevo. Os partidos à esquerda mostram-se disponíveis para negociar. E percebem que o PS não aceite apenas um “pacto” vazio, sem compromissos mútuos.
Por isso, as negociações centram-se em matérias relevantes de “política económica e social com impacto orçamental”, revela uma fonte do processo. Para que, no fim, haja um “sinal claro acerca do próximo Orçamento do Estado”.
Cabe agora ao Bloco, como antes já fez o PCP, apresentar as suas propostas. Não são “linhas vermelhas”, apenas sugestões concretas que permitam vislumbrar um Orçamento para 2016 aprovado com os votos de todos os partidos de esquerda. Porque a viabilização só existe com o voto favorável dos três. A abstenção não basta.
“O Bloco vai para este encontro com uma agenda de medidas que correspondem aos tópicos essenciais apresentados por Catarina Martins no debate com António Costa”, esclarece Jorge Costa. Ou seja: emprego (fim da proposta de despedimento conciliatório), pensões (não ao congelamento defendido no programa do PS) e Segurança Social (rejeição da diminuição da TSU). Para todas estas medidas que rejeita, o Bloco conta apresentar ao PS “alternativas concretas” para garantir que o impacto orçamental é nulo. Um dos pontos de convergência, ao que o PÚBLICO apurou, quanto à diversificação de fontes de receita da Segurança Social pode ser uma proposta que ambos os programas políticos apresentam: o imposto sucessório. Mas também alterações às regras dos contratos a prazo e combate aos "falsos recibos verdes".
Para além disto, os negociadores do BE prepararam também um conjunto de propostas de iniciativas legislativas – várias dezenas – calendarizadas, que incidem sobre matérias que vão além do Orçamento, como a revogação das alterações à lei do aborto.
Uma coisa parece certa: António Costa não vai ser surpreendido com nenhuma exigência “maximalista” de última hora, como a suspensão do cumprimento do Tratado Orçamental ou a renegociação da dívida.
Interrogação europeia
Tudo isto já é, em si, uma mudança. Mas a maior foi a que Jerónimo de Sousa introduziu no debate, à saída da reunião com Costa, na passada quinta-feira: “Da parte do PCP, reafirmamos que estamos preparados e prontos para assumir todas as responsabilidades, incluindo governativas.”





